Lembro-me como descobri esse caminho. Não estava em um momento bom em minha vida. Foi no ano de 2006 na décima nona Bienal do Livro realizada em São Paulo. Fui porque adoro ler e estava com vontade sair sozinho para espairecer um pouco. Em um dos vários estandes que existiam ali um me interessou bastante. Ali se encontravam duas de grandes paixões ditas por mim acima, a magrela e a natureza. Ali conheci o Caminho de Santiago de Compostela. Vários autores estavam expondo seus livros e todos eles já tinham feito esse caminho espiritual, religioso e emocionante. Conversei com alguns e guardei o panfleto do endereço da Associação de Amigos de Santiago em São Paulo. Guardei e disse para mim mesmo, vou fazer esse caminho um dia.
Esse dia chegou. Com a possibilidade de morar na Espanha pude ver o sonho mais próximo. Vou ser sincero, mas a maioria das pesquisas feitas por mim não foram sobre onde eu ia morar ou sobre a minha Universidade ou sobre outra coisa e sim sobre o Caminho. Fiz minha Credencial de Peregrino, li um livro sobre ele e fotocopiei diversas reportagens sobre a peregrinação. Sentia-me pronto e já sabia muitas coisas. A viagem estava marcada para o feriado de primeiro de maio, dia do trabalho e quanto mais perto chegava o dia, mais eu ficava ansioso para realizar esse grande sonho. Nas próximas linhas contarei todos os detalhes desta viagem divididos pelos dias. Depois de 400km em cima de uma bicicleta, uma viagem de Ponferrada até Fisterra e muitos lugares e pessoas novas conhecidos pude enfim realizar mais um sonho na minha vida. Ultreia, Susseia, Santiago!!!
A caminha começou em Villaviciosa de Ódon. Tínhamos que ir pedalando até a rodoviária de Madrid. Isso mesmo, tínhamos, no plural. Não fui só nesta jornada, e sim com mais dois amigos. Vou apresenta-los. Um se chama Moises, um homem aventureiro, inovador e criativo. Nunca havia pedalado tanto na vida, mas sua vontade de conhecer novas coisas impulsionaram a ele a fazer esse caminho. A outra se chama Dida, uma mulher muito forte, mais que muito homem por aí. Posso definir ela como uma amante do esporte, uma grande velejadora que virou uma ótima ciclista. Aí fomos o trio de ciclistas jovens e com vontade de passar por todos os obstáculos. Como disse a caminhada começou pelas estradas que ligam até Madrid, um pouco perigoso, mas com muita coragem fomos indo até o nosso destino. Depois de um suposto pneu furado, quase uma entrada num túnel onde carros passavam em alta velocidade e depois de passar pela Estação de Atocha de trem, pela Glorieta de Toledo chegamos na Estação Sul de ônibus de Madrid. 42km rodados já no começo. Nosso ônibus partia as 00:30 do dia 28/04. Chegamos as 23:00 e Moises e eu jantamos no restaurante da estação. Esperamos a hora de embarcar e dormimos até chegar em Ponferrada onde iniciaríamos nosso caminho.
Chegamos em Ponferrada as 5:10 da manhã. A estação da cidade estava fechada e ainda estava escuro tivemos que esperar até as seis para entrarmos na estação. Fazia um pouco de frio. E ainda tivemos que esperar o dia amanhecer para começar a pedalar. Dida e Moises entraram dentro dos sacos de dormir e ficaram nos bancos da rodoviária e tiraram um cochilo por lá mesmo. Eu não conseguia dormir e fui tomar um café e assistir o telejornal que se repetia toda hora. Tomei dois cafés com leite e um croissant. O dia amanheceu e as oito da manhã começamos o nosso caminho até Santiago de Compostela. Estava um tempo frio e nublado e uma fina garoa teimava em cair. Começava a ouvir as primeiras reclamações de Moises que iriam se repetir muitas vezes durante a viagem. Não sabíamos se íamos para direita ou para esquerda e resolvemos perguntar. Fomos para direita e começávamos a sair de Ponferrada. O primeiro contato efetivo com o caminho foi o primeiro carimbo conseguido na minha credencial, em um bar que servia sanduíches. Pegamos a estrada e pela primeira vez as setas amarelas apareceram, escritas no chão “carretera o camino”. Fomos pelo camino. Agora sim estávamos dentro do Caminho até Compostela. Fazíamos trilhas e já encontrávamos peregrinos. Saudações com “Hola” e “Buen Camino”. A bela paisagem me impressionou, mas ainda tinha muito por vir. Já tínhamos muita fome e as barras de cereal não estavam segurando. Decidimos almoçar. Era meio dia e comemos muito bem um menu do peregrino. Salada mista, costela com fritas e torta de amêndoas. O tempo frio e triste teimava, mas ao pouco o sol ia dando o ar de sua graça. E enfim o calor veio. Já estávamos sem casacos e eu até usava uma camisa regata. Em Vega de Valcarce encontramos o único albergue brasileiro pelo caminho. O nosso amigo Itabyra nos recebeu muito bem e nos deu boas informações sobre a grande subida até O Cebreiro. No caminho encontrávamos muitos animais e na maioria vacas. Sempre um rio nos fazia companhia e carimbamos muito nossas credenciais. Começamos a grande subida até O Cebreiro. Tínhamos que vencer 14km só de subida e para lá nós fomos. Na medida em que subíamos o calor ia embora e o frio chegava mais. Subidas bastante inclinadas eram um grande obstáculo, mas que aos poucos íamos ultrapassando. Chegamos em Laguna bastante cansados e ainda faltavam 3km. Moises era o que sentia mais. Um grupo de portugueses ciclistas, com carro de apoio passou pela gente, entre eles um brasileiro. Enfim chegamos ao fim da subida e uma garoa fina e um frio gostoso nos receberam. A vista era incrível, algo que será difícil de se esquecer. Fomos em busca de um lugar para dormir. O albergue de peregrino estava fechado (Itabyra já nos havia avisado). Não encontrávamos nada, até que uma senhora ofereceu um albergue próximo na cidade de Biduedo para nós. Nos iriam buscar de carro e no dia seguinte nos traziam de volta. Não tínhamos como negar essa oferta e aceitamos. Um quarto muito bom, com banho quente, televisão e calefação. Este foi o primeiro dia dos peregrinos brasileiros. 55km rodados e dois pneus furados, infelizmente os dois eram meus.
O dia começou cedo para nós. As 8:30 já estávamos de pé e fomos tomar café. Torradas com manteiga e geléia, madalenas e café com leite me alimentaram para começar o dia. A filha da dona do albergue comeu junto com a gente. Uma menina muito graciosa, que ria sem parar e às vezes falava algumas frases como “Yo soy alemana” e “Lo amor es todo”. Muito divertida. Como prometido nos levaram de volta de carro até O Cebreiro. Teoricamente como estávamos muitos altos fazia uma bela neblina. E outra coisa óbvia, se subimos bastante agora iríamos descer bastante e isso era muito bom. Depois de ajeitar as bikes recomeçamos o caminho e as 10:30 pedalamos. Terminamos de subir até o Alto do Poio e depois começaram as imensas descidas. Pegamos a primeira trilha de verdade em uma grande descida. Fazia um calor bom e para descer exigia um pouco de técnica, algo que Moises não tinha. Seu primeiro tombo do dia aconteceu entre as pedras molhadas e o barro de uma trilha. Um belo batizado com muitos arranhões. Cada vez que passamos encontrávamos muitos peregrinos. Todos cordiais e simpáticos. Passamos por um casal de brasileiros que estava fazendo a Via de la Plata. Nosso almoço foi em um supermercado onde compramos algo para forrar o estômago. Depois de descer bastante enfrentamos uma pequena trilha de subida. Passamos por uma fonte e uma grande concha desenhada. Parada para fotos. Depois descemos bastante. Meus freios não funcionavam, senti um pouco de medo. Ainda bem que nenhuma curva forte apareceu e nenhuma bifurcação. Na próxima descida fui devagar. Moises não teve a mesma idéia que a minha, seus freios também não funcionaram e na outra descida o pior para ele estava abaixo. Duas curvas, uma pra direita e outra para esquerda. Mais de 60km por hora e sem freio. Resultado foi reto e caiu mais uma vez no dia. Só que dessa vez foi parar num pequeno barranco com arbustos e urtigas. E quase foi atropelado por uma moto. Sorte que o casal de motoqueiros apareceram e puderam ajudar a resgatar o Moises. Ficou bastante arranhado, mas nenhuma preocupação seria. Depois do susto muitas risadas, quando relembrávamos o episódio. Pelo menos ele não ficou sem sua vida, somente sem seu freio de trás. Continuamos, nosso destino do dia era em Sarria e para lá que estávamos indo. Meu pneu teimava em furar e dessa vez não teve jeito se rasgou por inteiro. Ainda bem que estávamos perto da cidade e cheguei no albergue empurrando a magrela. Chegamos as 19:30 e nos hospedamos no aconchegante albergue “A pedra”. Que possuía um cachorro que gostava de latir e se chamava Boris. Dividimos nosso quarto com o alemão Peter que não tinha vergonha de ficar de cueca na frente da Dida. O jantar foi muito saboroso, com salada, bife, ovo e batata frita e sorvete de sobremesa. Deitamos cansados. Resultado do dia, duas quedas, dois pneus furados e freios estourados. No outro dia recomeçaríamos até Palas de Rei.
Neste dia podíamos acordar tarde. Acordei as 9:30, já que a oficina de bike só abria as dez e não adiantava acordar muito cedo. Passamos pela oficina de peregrino e fomos até a oficina de bicicletas. Ela estava fechada e sem o conserto do meu pneu não podíamos continuar. Perguntamos se existia outra na cidade e felizmente a resposta foi sim. O lugar se chamava “Ciclo Ramón”. O Ramón era um homem que entendia muito de bicicletas. Trocava um pneu de uma forma impressionante e rapidamente a minha bicicleta e a do Moises já estavam prontas. Não tinha tomado café ainda e encontramos um restaurante muito saboroso. Comi sanduíche de presunto e queijo, café com leite e um suco de laranja natural da fruta. As 12:30 começamos, um pouco tarde e o ritmo teria que ser mais forte. O caminho estava tranqüilo, poucas subidas e muitas descidas. A mesma chuva fraca e fria nos acompanhava. Exatamente no km 100 o pneu do Moises furou e tive que trocar. Como paramos e o corpo esfriou o frio aumentou bastante. Comemos uma boa barra de chocolate branco que em questão de minutos congelou devido ao frio que fazia. O caminho recomeçou e durante uma descida por uma trilha começou uma chuva de granizo. Algumas pedras me faziam sentir uma pequena dor, mas nada que nos impedia de parar. Mais para frente tivemos que parar, um grupo de vacas começou a subir pelo nosso caminho. Depois de passar por vacas continuamos e enfrentamos outra grande subida. Depois de passarmos rapidamente por Portomarín e pelo Rio Miño subimos. Não era tão grande como a do Cebreiro, mas era respeitável. Durante o caminho encontramos uma senhora com bastante idade, cara pálida, aparelho de ouvido e uma proteção no pescoço. Com uma voz baixa me perguntou se a cidade Gonzar estava perto, não soube responder e ela não me entendia direito. Fiquei impressionado com a força de vontade daquela senhora e pude ver como o caminho motivava as pessoas. Antes de chegarmos no destino final do dia Dida ficou um pouco brava comigo. Fato relevante, que faz parte do cansaço físico e mental que passamos durante a viagem. Descemos bastante, mas o frio e a chuva aumentaram, estávamos a 5km de Palas de Rei, mas avistamos um albergue e perguntamos o preço. Resolvemos ficar por ali, depois de oito horas de pedalada e mais de cinqüenta quilômetros rodados. A senhora que nos recebeu era muito simpática e cuidadosa. Ficou mais preocupada com a garota do trio que sentia muito frio. Tomei um banho em um chuveiro diferente, que para a água sair tinha que ficar apertando sempre. Depois do banho um jantar com salada, bacon e fritas e uma banana para evitar as câimbras. Para tirar um pouco o nosso frio o casal do albergue acendeu a lareira para nós. Muito bom. Dormimos num quarto com mais dois alemães. E antes de todos começarem a dormir um fato divertido aconteceu. Um dos alemães soltaram um gás alto e estrondoso e foi uma gargalhada imensa no quarto. Nada como dormir rindo depois de um dia cansativo.
Depois de uma boa noite de sono e sem mais nenhum ruído acordamos as 9:00. Comi de manhã um misto quente e café com leite. Na saída, dois cães divertidos brincavam com a gente. Um fugia e o outro pedia carinho. Assim começamos nosso dia as 10:30. Encontramos muitos peregrinos e três ciclistas. No meio do caminho no deparamos com os dois alemães que dormiram com a gente. Não estavam reconhecendo a gente e com o meu inglês arranhado disse “Sleeping together” aí então ele lembrou, fez o barulho do pum feito por ele e caiu na gargalhada e disse “This is a signal international”. Depois de mais algumas risadas continuamos. Apesar da chuva e do vento frio estávamos fazendo um bom ritmo de dez quilômetros por hora. Poderíamos chegar em Santiago as 20:00 tranqüilamente. Mas tivemos um imprevisto, as três bicicletas ficaram sem freios devido à chuva e o frio. Não levamos pastilhas reservas e o nosso ritmo diminui muito. A chuva aumentou e resolvemos parar para almoçar. Comi dois grandes hambúrgueres e suco de laranja. Com a barriga cheia e o frio resolvemos não continuar e decidimos dormir em Arzua mesmo. Buscamos um albergue e encontramos o de peregrinos. Os ciclistas só podiam entras depois das 19:00 e ainda eram 16:00. Resolvemos entrar e caso chegasse alguém nós iríamos sair. O albergue não lotou e podemos ficar. Dida dormiu cedo. Moises e eu fomos ao um bar em frente. Jogamos conversa fora, tomamos uns refrigerantes, entramos um pouco na internet para mandar e-mail para os familiares e depois assistimos o jogo entre Liverpool e Chelsea pelas semifinais da Liga dos Campeões da Europa. Não agüentamos ver os pênaltis e fomos dormir. Dia frio e pouco produtivo, apenas 37km andados. No dia seguinte chegaríamos a Compostela.
Exatamente as 7:00 em ponto as luzes do quarto do albergue em que dormíamos se acenderam. Um sinal para todos os peregrinos levantarem e recomeçarem sua jornada. Muitos já estavam prontos antes das sete. Nós demoramos um pouco mais. Como estávamos de bicicletas teríamos mais tempo, mas não tínhamos freios e íamos mais devagar hoje. A chuva continuava a cair e fomos tomar um café da manhã. Torradas com geléia, café com leite e suco de laranja. Apesar da chuva e das magrelas sem freios estávamos alegres e motivados para chegar em Santiago. E aí fomos. No meio do caminho um cavalo encantador apareceu atrás de uma cerca. Parecia estar com fome, peguei um pouco de capim e o alimentei um pouco e continuei. A terra estava molhada e mesmo sem freio insistia em pedalar. Em um momento peguei uma grande velocidade e não tinha como parar. Senti aquele medo da última vez. Pedi proteção, não queria cair, mas não teve como. Senti que algo ficou preso na minha magrela e fui para o chão. No momento da queda uma dor imensa no braço direito e nas duas pernas. Fiquei preocupado em saber se havia quebrado algo, mas apenas alguns arranhões, luxações nas pernas e um pouco de sangue no braço. Apesar da grande dor que sentia nas pernas continuei. Peregrino que sou a Santiago eu vou. A cada passo e pedalada Compostela ficava mais próxima de nós. Sem freio, não podíamos descer rapidamente com as bicicletas e tínhamos que empurra-las. Isto nos atrasou um pouco. Para não atrasar muito andamos um pedaço pela estrada e uma grande subida enfrentamos até o Monte do Gozo. A partir dali já podíamos ver a cidade de Santiago de Compostela. Faltavam apenas cinco quilômetros para chegar na Praça do Obradoiro e conseqüentemente na Catedral da cidade. Depois de descer o Monte do Gozo e passar por um grande albergue, já andávamos por dentro da cidade. Quinze minutos de pedaladas até chegar ao destino final. Quando vi pela primeira vez a catedral e a imensa praça em volta dela o sentimento foi de dever cumprido. Finalmente cheguei onde queria chegar. Uma sensação muito boa, que mais pra frente iria melhorar ainda mais. Entramos na Oficina de Peregrino. Ganhei minha “Compostela” o certificado em latim dizendo que chegamos a cidade. Procuramos lugar para dormir. Encontramos uma simpática pensão. Almoçamos em um restaurante saboroso, que tinha uma garçonete brasileira de Juiz de Fora. Comi bife a milanesa, batatas fritas, macarrão a bolonhesa e uma salada. Um belo prato para um peregrino cansado e faminto. Dida não quis nem dormir em Santiago e voltou para Madrid. Moises e eu continuamos na cidade. Quem sabe íamos para o Fim da Terra. Comprei uns presentes e um casaco. Tomei um banho quente. Depois da queda e da dor e 47km andados só podia pensar em dormir. Uma boa noite de sono ao lado da Catedral de Santiago de Compostela junto com o som dos sinos tocando.
Este não foi um dia de peregrinação e sim de turista. Um dia de descanso para as pernas. Acordamos as 9:30. Comi um misto quente, café com leite, torta de Santiago e suco de laranja. Ao meio-dia fui assistir a missa do peregrino. Pensei que seria uma missa como outra qualquer, mas me enganei, ainda bem. Foi a melhor missa da minha vida. O padre começa citando os peregrinos que chegaram no dia anterior e no dia em que se celebra a missa. De onde são e de onde partiram. Depois um cântico religioso, onde a palavra “Gloria” é entoada com força e louvor. Essa hora a emoção foi fortíssima e senti que essa música era para os peregrinos que completavam a caminhada. Depois de fazer a comunhão assisti um ritual estupendo. Desceu do alto da Igreja um botafumeiro. Um objeto que inala o incenso por toda a catedral. Mas a maneira que os sacerdotes faziam o ritual era fantástico. Cerca de sete deles puxavam o botafumeiro por uma corda e ele vai ganhando uma altura imensa. Aquilo foi lindo. No final, aplausos espontâneos que não foram reprimidos pelo padre e sim elogiados. Simplesmente uma missa inesquecível. Depois Moises e eu fomos consertar as bicicletas. Descobrimos a oficina chamada “Velocipedo”. Com os freios trocados e o meu cambio que também quebrou. Problemas consertados poderíamos ir mais além e isso que íamos fazer no dia seguinte, nós íamos até Fisterra. Tivemos que esperar o conserto, então fomos almoçar no mesmo lugar de ontem. Escolhi o mesmo menu, mas tomei um saboroso sorvete com morango. Encontramos quatro amigos brasileiros da faculdade e fui com Moises comprar um tênis. Depois pegamos nossas bicicletas que estavam consertadas. Como já estávamos viciados fomos pedalar um pouco pelas ruas da cidade. Antes trocamos por uma pensão mais barata. Andamos. Moises tomou um sorvete e voltamos. Tomamos um banho e fomos deitar. O dia seguinte prometia e iríamos começar mais um caminho.
Levantamos as 9:00. Comi misto quente, torta de Santiago e café com leite. Estávamos com as energias renovadas e as bicicletas também. Fomos rumo ao fim da terra. Aos poucos a cidade ia se distanciando. De longe víamos as torres da catedral e eu já sentia falta das setas amarelas, dos símbolos jacobeos e da natureza que nos acompanhava, ainda bem que nos reencontramos com eles. Neste caminho Fisterra-Muxia os peregrinos estão em bem menor quantidade. Não são todas que ainda tem força de andar mais 100km. O caminho não era tão ruim, e íamos muito bem. Paramos em Negreira para conhecer o albergue de peregrinos da cidade, mas logo continuamos. Paramos em uma pequena cidade e comi sanduíches de tortas francesas, que parece mais uma omelete dentro de um pão. Ainda tínhamos 21km para andar até Olveiroa, onde íamos dormir. Algo que não acontecia no caminho até Santiago eram os cachorros que avançavam. Não sei o que acontece, mas muitos deles foram pra cima de nós. Era algo engraçado. Chegamos em Olveiroa e pegamos nossas camas. Um albergue de peregrinos que não precisávamos pagar nada. Um albergue diferente, parecia que antes era um estaleiro de animais. Fui comer mais um sanduíche e depois fui deitar após um banho quente. Dormimos num quarto com seis camas, as outras quatro camas foram ocupadas por espanhóis. Muitos engraçados, um muito animado com uma garrafa com uma bebida alcoólica dentro gritando que queria fazer um “Botellón”. Antes de dormir os espanhóis repetiram os mesmos barulhos que os alemães fizeram uma vez. Só que os deles eram muito mais fortes. Impressionante. Dormi ao som de fogos de artifício.
Acordamos as 9:30. Mas antes as sete da manhã fui despertado por mais barulhos desagradáveis feitos pelos espanhóis. Último dia de pedalada com destino ao fim da terra. Antes de irmos para o destino final tive que trocar mais um pneu furado. Desta vez não tomamos café e íamos pagar um preço caro por isso. Pedalávamos em um ritmo muito bom, mas o sol forte e o estômago vazio nos obrigaram a parar cedo. Tomei um chá gelado com limão e um sanduíche de torta francesa e tomates. Depois fomos sem parar até o fim. O céu azul e o sol forte eram o reflexo do belo dia que víamos. Uma grande inspiração para a última caminhada. Depois de algumas subidas e descidas a primeira visão do mar. Muito bonita e passamos por CEE (Comunidade Econômica Européia). Lugar bonito e agradável. De repente as setas amarelas sumiram e perguntei pra que lado ia. Um homem bastante humilde me disse a direção certa e repetiu várias vezes que nunca iria enganar uma pessoa. Apertou minha mão bem forte e segui o caminho. Realmente ele não me enganou. Placas de Fisterra já apareciam. Moises, cansado, ficou para trás de mim. Nos separamos. Encontrei uma praia muito bonita, com água verde e transparente. Vou ao destino final, que é o faro de Fisterra. A chamada Costa da Morte. O calor estava muito forte, a sede e o cansaço eram recompensados pela bela vista que tinha do alto da estrada. Passo por um monumento de peregrino e encontro uma fonte de água. Paro, mato a sede e recomeço com novas forças. Enfim chego até a Costa da Morte. A sensação é incrível. Sonho realizado, cheguei próximo do fim. Dois alemães simpáticos também chegam e nos cumprimentamos e nos damos parabéns. Não sei como, mas conseguimos nos comunicar. Eles tiram uma foto minha ao lado do km 0,0 e eu tiro deles. Ando ali por cima, admiro a vista que é maravilhosa. Não existe fim, só vejo um mar azul e mais nada na frente. Muito lindo e estou muito feliz. Depois de algumas fotos volto para baixo para encontrar Moises. Um húngaro me fala onde ele está, deitado no banco se bronzeando. Esperamos o albergue de peregrinos abrir. Antes um almoço saboroso, com bife, batatas fritas, ovo e salada. O albergue abre. Ganhamos nosso selo do fim do caminho e nosso diploma “Fisterra”. Estou muito feliz em estar lá. Ligo para meu pai e minha mãe para dar noticias e dizer que estou bem. Compro algumas guloseimas no mercado e sento no banco em frente ao porto. Admiro a paisagem feliz e realizado. Ainda entro num bar tomo um sorvete, navego pela internet. Assisto um pouco de futebol e depois fui deitar. Dormindo no fim, no fim da terra.
Este foi o dia da volta. Infelizmente tive que voltar. Minha vontade era ficar um bom tempo naquela praia e cidade tranqüilas. Mas os compromissos de estudantes tinham que ser cumpridos. A viagem de volta não foi de pedaladas e sim um entra e sai de ônibus e colocando as magrelas e tirando elas. No total pegamos quatro ônibus. Acordei as 8:00. Tomei um café com leite e madalenas. O ônibus chegou as 9:30. Fomos primeiro para CEE. Depois descemos numa cidade que não lembro o nome e depois pegamos mais um ônibus em Baio rumo a Santiago de Compostela. Chegamos na cidade sagrada ao meio dia. Compramos passagem para Madrid com saída as 13:45. Fui com a bicicleta ao centro de Santiago pegar algumas coisas que deixamos na pensão. Voltei e já estava quase na hora de partimos. Infelizmente a viagem e a peregrinação acabaram. Agora íamos enfrentar uma longa viagem de volta para casa. Mas eu estava muito alegre e com uma sensação de paz e tranqüilidade muito boa. Fiz o que sempre quis fazer e estava muito contente por isso. A viagem de ônibus foi cansativa e monótona. Fizemos várias paradas e não pedalávamos dentro de belas paisagens. A volta de um lugar bom nunca é boa. Chegamos em Madrid as 23:00. Ainda tínhamos que pegar um trem e pedalar cerca de 12km até em casa. Uma pequena discussão com um funcionário do metrô que não nos deixou entrar com as bicicletas (em Madrid se pode entrar com bikes nos trens e nos metrôs durante finais de semana e feriados). Perguntei para outra pessoa que nos liberou e nem pagamos a entrada. Descemos em Alcorcón. Na saída mais um acidente com Moises que prendeu seu dedo na porta da saída da estação. Uma rápida passada no hospital para um curativo. Depois uma pedalada gostosa até El Bosque. Já estava de madrugada e poucos carros passavam. Sempre é bom pedalar a noite. Gosto muito. Já em Villaviciosa de Ódon encontramos umas amigas brasileiras que estavam indo para a festa. Uma conversa rápida, perguntas curiosas sobre a viagem e depois fomos até em casa. Chegamos 00:30. Fomos recebidos com muita alegria pelos nossos companheiros de casa. Estava curioso em saber quanto foi o jogo do meu time do coração, Flamengo, que enfrentava o Botafogo pela final do Campeonato Carioca. Felizmente uma boa notícia. Mengo campeão. Chegar em casa depois de uma bela viagem e saber que seu time conquistou um titulo é muito bom. E foi assim que terminou a viagem que eu comecei a planejar em março de 2006 e no começo de maio de 2007 já estava realizada. Agradeço a proteção recebida no caminho, a companhia de Moises e Dida, os novos amigos peregrinos que conheci e a natureza que nos recebeu muito bem. Um agradecimento especial a minha família que me apoiou e outro para a magrela que me carregou muito bem durante essa viagem. Obrigado por tudo. Ultreia, Susseia, Santiago!!!
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2 comentários:
HAHaha.. muito boa feee!!!
ISso aewww.... com vc ateh o fim da terra!!!!
Ultreya!!! =)
Vlw ai pela viagem, sem vc, nao teria visto nada do que vi.
Valeu cara, vc eh um amigo ímpar, sem igual.
Carioca! Meu caro!!!
Que emoção ao ler a descrição dessa aventura! Parece que estava ai contigo! Fantástico!! Parabéns por esse espírito e por esse dom da palavra!
Saudades meu caro!
Abração
Jayson
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